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O Globo - Brasil

[BRASIL] Divã virtual ganha força na Argentina

Ao menos 35% dos psicanalistas de Buenos Aires já atendem via Skype ou chat clientes do país com mais psicólogos per capita.

Abrir mão da terapia é um sacrifício que muitos argentinos não estão dispostos a fazer. No país que ocupa o primeiro lugar na Organização Mundial da Saúde (OMS) em número de psicólogos por habitantes — 106 profissionais para cada 100 mil pessoas — a psicanálise faz parte da rotina semanal de milhões de pessoas que, nos últimos anos, começaram a usar novas tecnologias como única alternativa para continuar um tratamento. Após a crise econômica de 2001, alguns pacientes tiveram de rumar para o exílio e precisaram, mais do que nunca, de um acompanhamento terapêutico; outros moram longe dos consultórios e não têm tempo de enfrentar o trânsito cada vez mais infernal da capital argentina. A lista de obstáculos é grande e levou muitos psicólogos a flexibilizarem sua metodologia, incluindo uma opção ainda questionada por alguns de seus colegas: a terapia on-line.

Atualmente, a Associação Psicanalítica de Buenos Aires (APdeBA) estima que 35% de seus membros já se renderam aos encantos da consulta virtual, utilizando programas como Skype, ou algum outro sistema de ligação via computador ou até mesmo de chat.

— Comecei a fazer consultas via Skype há dez anos, e os resultados foram muito bons — conta Adriana Guraieb, que pertence à Associação Psicanalítica Argentina (APA), uma das pioneiras em terapias on-line.

CONSTANTE MONTANHA RUSSA

Muitos de seus pacientes abandonaram o país durante os difíceis anos de 2001 e 2002, em momentos em que a economia despencava e a taxa de desemprego alcançava mais de 20%.

— Foram tempos terríveis para todos, e contar com a ajuda profissional de um compatriota foi fundamental para muitos exilados — diz Adriana.

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Hoje, cerca de 50% de seus pacientes fazem o tratamento on-line. São pessoas que cuidam de pais idosos, têm filhos pequenos ou estão passando por crises agudas de depressão e ataques de pânico, por exemplo. Quando surge um impedimento maior, Adriana e outros analistas argentinos não hesitam em oferecer um sistema que permita a continuidade do trabalho psicanalítico.

— Viver na Argentina não é fácil, estamos sempre numa montanha russa. Por isso os argentinos precisam tanto dos psicólogos, e por isso somos cada vez mais. Vivemos em constante tensão — afirma Adriana.

Semana passada, uma greve paralisou o metrô durante sete dias e o assunto foi quase onipresente nos meios de comunicação. “Greve de metrô, Buenos Aires à beira de um ataque de nervos”, noticiou o canal 13 de TV. Quando não é o metrô são protestos nas ruas, inflação, insegurança, proibição para comprar dólares, expropriação de empresas e disputas entre a presidente Cristina Kirchner e seus adversários. Muitos argentinos garantem que a cada dez anos o país mergulha numa crise econômica profunda, como foram as de 1989 (marcada pela hiperinflação) e 2001. Desde 2011, os alertas sobre um novo colapso por parte de economistas locais são permanentes.

— As terapias on-line são muito interessantes e necessárias num país como o nosso — afirma o psicanalista Miguel Espeche, que também atende pacientes pelo computador.

Segundo ele, o resultado desse tipo de tratamento é surpreendente.

— Conversei com muitos colegas e todos concordamos em afirmar que está dando certo — assegura Espeche.

Ele lembrou que os analistas não foram treinados para realizar este tipo de trabalho, mas estão aprendendo e evoluindo com a prática. Outros profissionais como Adriana Martínez, da Fundação Buenos Aires, são mais cautelosos. Segundo ela, “é importante poder ter sempre um caminho alternativo de contato entre o terapeuta e o paciente”.

Os consultórios psicológicos continuam se multiplicando em bairros portenhos como Recoleta, Palermo e Belgrano. As faculdades de psicologia têm cada vez mais alunos e hoje, diferentemente de outros momentos, como durante a última ditadura (1976-1983), quando centenas de profissionais foram obrigados a exilar-se, a maioria exerce sua profissão no país. O fenômeno social continua crescendo, mas também adquirindo novos contornos para adaptar-se à realidade dos pacientes. Para muitos argentinos, como Cecilia Bonel, que trabalha a cem quilômetros da capital, ter uma consulta presencial é uma verdadeira missão impossível. Há três anos, ela optou pela terapia on-line.

— O tempo que perdemos para nos locomovermos causa ainda mais estresse — disse Cecilia. Para ela, se o paciente está realmente comprometido com o tratamento, “a terapia virtual é bastante positiva”.

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